terça-feira, 31 de dezembro de 2013

A Beleza da Vida Ascética

Uma breve passeada na história da filosofia e encontram-se vários exemplos de escolas filosóficas e pensadores que se propunham um nível de austeridade desde o mais brando, passando pelo equilibrado até o praticamente desumano. Apesar do hedonismo ser característica consensual  da nossa sociedade, o asceticismo ainda atrai pessoas das mais variadas concepções de mundo e ser humano. Atuando como uma condição de possibilidade para sanidade do indivíduo, transforma-se quase em uma necessidade humana.

O sacrifício e o esforço se assentam sobre a própria estrutura da realidade na qual o homem encontra-se inserido. Todos o experimentam em maior ou menor grau, tirando maior ou menor proveito do seu caráter "proselitista"; dado que não há melhor forma de se converter ovelhas desgarradas à determinadas convicções, pelo atrativo público da exteriorização dos bons resultados que produzem.

Contudo nem todo sacrifício é valoroso, nem toda ascese é bela e moral. A divergência dos motivos que a sustentam não é irrelevante e é justamente o que determina a profundidade ou superficialidade da vida dos que a exercem. A beleza da vida ascética não é determinada tanto pelos resultados factíveis oriundos de sacrifícios feitos de forma organizada e constante, embora eles sejam cruciais num âmbito apostólico; mas principalmente pelos motivos que a fundamentam. É possível viver o asceticismo não só por motivos nobres mas também por motivos frívolos; e não é pouco frequente ver sacrifícios enormes alicerçados na ausência de valores superiores. Qual seria então o grande fator diferenciador?

Em poucas palavras; o asceticismo é belo e moral quando exercido para além de si mesmo e  extremamente alienante e nocivo quando voltado tão somente para si. Poucas coisas na vida são mais pueris do que utilizar a autoridade momentânea de um virtuosismo qualquer para enaltecer a si próprio.

No entanto, ter um motivo fora de si pela qual valha a pena mortificar-se e que ao mesmo tempo transcenda a transitoriedade da nossas necessidades é muito difícil na horizontalidade da ausência de transcendência. Desapegar-se de si mesmo, dos bens exteriores e das outras criaturas é condição sine qua non para a vivência do Cristianismo e ao mesmo tempo, verdadeiro divisor de águas entre ele e diversas outras concepções filosóficas que no final das contas, não passam de repristintações caricatas de um certo antropoteísmo.

A autossuficiência é uma tentação constante ao longa da história, em especial nos dias de hoje. A própria cultura atual termina por favorecer a criação de um indivíduo orgulhoso e desenraizado, sem convicções sólidas; gerando uma espécie de ser bipolar que oscila entre momentos de auto-suficiência e amor desordenado aos prazeres e outros de apatia e niilismo resignado. Internalizar convicções paradoxais e se vergar ao sabor de quaisquer ensinamentos e aforismos que lhe soem agradáveis é mais confortável que  preocupar-se com contradições lógicas de convicções irrefletidamente aceitas como verdade.

A questão central portanto não é a ascese em si mesma e sim o que a fundamenta. O cristão não se mortifica senão para viver uma vida superior; não luta senão para gozar da paz; não se despoja de bens passageiros senão para obter bens perenesA mortificação cristã não é pois um fim senão um meio; porém aqui o Fim  é infinitamente superior ao próprio homem. A exortação do Apóstolo Paulo nesse contexto aponta algo incômodo porém necessário: o cristão deveria sentir vergonha de se esforçar menos que aqueles que correm atrás de uma "coroa corruptível".

No final das contas, todo asceticismo na ausência de motivos sobrenaturais não deixa de ser um masoquismo em prol da tola deificação de si mesmo.

                                 "O trabalho sem Deus é inútil" Sl 126(127).