sábado, 21 de fevereiro de 2015

Eros, satisfação e melancolia

                    
                                        (Hopper- Excursion into Philosophy)

A resistência argumentativa dos mais diversos posicionamentos em matéria de moralidade sexual tem ligação estreita com a necessidade humana de calar ou justificar-se perante a própria consciência. O contorcionismo intelectual empregado para negar certas verdades está constantemente enraizado mais em aspectos psicológicos de seus defensores do que com a robustez e sinceridade da verdade objetiva dos argumentos. A tese aqui defendida é exigente, porém acredita-se que seja a única antropologicamente correta. Existem muitas formas de combinar as peças que compõe a sexualidade humana porém apenas uma delas é capaz de humanizar o ser humano.

Elevar e integrar o sexo com a inteligência, vontade e sentimentos é humanizá-lo conforme a integralidade do homem que engloba não apenas sua natureza corpórea mas também espiritual. Isso só é possível quando todos os elementos que compõe a sexualidade humana estão presentes de forma harmônica. A combinação dos fatores; diferenciação, complementaridade, fecundidade e amor; só é possível dentro família tradicional de fundação matrimonial. Querendo ou não, a natureza humana é imutável nesse aspecto e de qualquer outra forma perde-se tempo.

Apesar do mundo caminhar a passos largos rumo a normatização do homossexualismo, da pedofilia e da aceitação plena do sexo despojado do eros e da fecundidade; a família tradicional continua sendo o projeto vital das pessoas de boa vontade. A tentativa de equipará-la à diversas outras agremiações existentes é decepcionante, entre outros motivos, por não se coadunar com o anseio humano de transcendência e infinitude.

O casal é um verdadeiro agente de transcendência. Carrega dentro de sua própria natureza um poder criador que só é possível como obra de um Absoluto ou participação Nele. É verdadeiramente surpreendente que de duas intimidades surja uma terceira jamais antes criada, irrepetível. Os pais deveriam se perguntar "Por que foi gerado esse filho e não outro?". Todo filho é, pois, um dom, um mistério e uma surpresa. A sacralidade do sexo está, com efeito, intimamente ligada à sacralidade da vida. Deixa de ser, portanto, meramente um ato biológico, para ser um verdadeiro exercício de transcendência, pois é uma real participação na força criadora. Deveria ser um verdadeiro escândalo que não nos admiremos frente uma realidade que clama forças superiores e divinas. A negação desse deslumbramento dá origem a uma explicação fria, positivista e incoerente para o surgimento da vida; pois a matéria não é condição de possibilidade do surgimento de uma nova vida.

A relação sexual está, portanto, naturalmente ordenada para a procriação da mesma forma que o ato de alimentar-se está para nutrição. Despojar artificialmente o sexo da fecundidade é, pois, como comer e vomitar. Atua-se hoje desse modo porque vivemos em uma cultura que vê o filho como uma cruz, uma desgraça e agindo dessa forma torna-se impossível unir o sexo ao eros, uma vez que separado da fecundidade.

O amor tende naturalmente a ser fecundo e o eros implica doação total e absoluta; que não pode ser manifesta quando há falta de confiança e reservas internas à ideia de uma vida compartilhada com o outro. No eros encontra-se de repente uma pessoa em particular que é bela e amável como nenhuma outra e que precisamente por isso, torna-se alguém sem a qual a nossa felicidade se apresenta como impossível. O enamorado quer a enamorada por si mesma não pelo prazer que lhe possa proporcionar. A atração física não é primária. O eros é, pois, uma forma de relação interpessoal na qual a sexualidade humana adquire seu sentido. O eros atua portanto como amor-dádiva-necessidade; uma afirmação do outro que tende para união com ele. No eros uma pessoa concreta, única e irrepetível se converte no meu projeto pessoal de vida. 

O processo que dá surgimento a esse fenômeno, chamado de 'enamoramento' é algo que apesar de ser possível cultivar, não é possível criar, pois simplesmente nos acontece, é algo gratuito e imerecido. Quem está no eros prefere partilhar o infortúnio com o ser amado do que tentar ser feliz de qualquer outra maneira. Por isso que o sexo vivenciado sem o eros é como um sorriso falso, uma careta, uma máscara. Da mesma forma que o sorriso deveria representar alegria; a entrega corporal deveria representar uma entrega total e não apenas a satisfação de um instinto. Sem o eros ter-se-ão, portanto, experiências sensíveis mas não interiores.

O eros apesar de nunca perder a atitude contemplativa da pessoa amada, deve, no entanto,  converter-se em amor como tarefa. O sexo está para o amor e não o amor para o sexo. Somente dentro do amor conjugal ele deixa de ser tirânico porque não pode produzir por si mesmo diversos elementos sem o qual o eros se extingue. Por isso que a vida sexual levada a serio facilmente decepciona, deve ser portanto desinteressada, porém não banalizada, para não correr o risco de vir a ser melancólica.

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